sexta-feira, setembro 14, 2007

CRÔNICAS - É PERMITIDO PROIBIR

Por Ivan Lessa*

MUITO CEDO CONHECI AS PROIBIÇÕES, COISAS QUE SEMPRE COMEÇAM EM CASA. NÃO ISSO E NÃO AQUILO.

Em geral, tendo a ver com cama e mesa: não deixar roupa suja no chão do quarto, não comer com a boca aberta. Por aí.

No colégio, uma boa hora ou duas de castigo e aprendia-se o que se podia e o que não se devia. O proibido na rua era um pouquinho mais complicado. Cada um se escolava à sua maneira e com o auxílio dos amigos e do guarda da esquina.

De uma maneira geral, uns bons 70% de tudo era proibido. Com a passagem do tempo, a percentagem diminuía e ficava-se até com saudade das proibições. O que constitui um tremendo de um lugar-comum.

Lei a gente aprende de duas maneiras: ou raciocinando (e ir bolando um jeito de burlá-la) ou debaixo de cascudo, que, com o tempo, e o local, pode ir virando cadeia e, em casos extremos, mas não nos trópicos, tortura e arremesso de helicóptero.

Não quero, no entanto, ficar tão sério assim, tão cedo. Fico pelas doces proibições, que, além da mulher do próximo, vinham em geral em total solidão, como numa velha canção.

Não consigo tirar da cabeça aquele aviso nos ônibus e nos bondes: “É proibido conversar com o motorista”. Nunca conheci quem quisesse conversar com um motorista.
Com o trocador, lá atrás, talvez, com boa vontade.

Começar perguntando por que ele usava tão grande aquela unha do dedo mindinho da mão esquerda e esperar ele explicar que era para tirar cera do ouvido. Isso era interessante. Motorista, não. Todos tinham unhas aparadinhas e já haviam escolhido aquela profissão para não levar adiante um papo com a humanidade. Compreendo, ao menos, o ponto de vista. Motorista é péssimo de papo.

Já que falo em proibições nos meios de transporte, passo direto por vários pontos de parada do ônibus no tempo (uma bosta de símile. Ou é metáfora?) e chego a este mês de setembro de 2007, na Grã-Bretanha.

PROIBIÇÕES METROPOLITANAS

Nos metrôs de Londres e de outras grandes metrópoles (o norte também tem metrópole) do país, há em quase todos os carros alguns avisos: aviso de que é proibido cuspir no chão, aviso de que é proibido jogar lixo no vagão, aviso de que é proibido botar os pés em cima do assento. Tudo passível de, no mínimo, multa. Quiçá (quiçá?) prisão.

No que chego ao assunto em pauta: Kathleen Jennings, jovem e jeitosa passageira de um trem que fazia o percurso Southport-Manchester, láááá no norte. Trem e metrô são regidos de forma idêntica e identicamente em plena decadência. Compartilham também das proibições já citadas.

Kathleen Jennings teve de comparecer a um tribunal, na semana passada, para responder a seu desrespeito à lei. Kathleen que estava, na pequena viagem mencionada acima, de sandálias tipo havaianas (não ficou claro se “as legítimas” ou não”) foi pega in flagrante delicto com os pezinhos bem em cima do banco da frente.

Um inspetor não teve dúvida: deu-lhe na hora a papelada marcando dia e hora para se entender com o juiz e ver se a multa podia ser resolvida em dinheiro vivo ou exigia tempo de prisão. Confesso que não sei o resultado. Meu interesse pelo caso parou aí. Talvez porque eu odeie quem bota os pés nos bancos do metrô, onde talvez eu mesmo vá sentar, se o/a cafajeste mal-educado/a me ceder o lugar.

APROVEITO O ENSEJO…

É, eu sou a última pessoa na face da terra a “aproveitar o ensejo”. Melhor para mim. Aproveito o ensejo (repito só para irritar meus desafetos) para enumerar outras infrações que volta e meia me ofendem nos metrôs, de Londres.

Essas pessoas que comem fazendo barulho. Em geral, batatinha frita, e que invariavelmente – olha outro “crime” aí – jogam o saquinho vazio no chão já imundo. Os que bebem cerveja, eu nem deveria mencionar. Não entro em vagão com camarada com uma lata na mão pronto para levá-la à bocarra.

Tem ainda aqueles garotos que tocam guitarra, cantam, enchem o saco e depois saem pedindo esmola. Nunca levaram um tostão meu. Nem nunca vi quem desse. Gente que assobia, ou mesmo assovia, também deveria levar ao menos uma repreensão severa por parte das devidas autoridades.

Outro ódio, ou melhor dizendo, implicância: essa gente que não cede o lugar para os mais velhos ou doentes, ou seja, essa gente que não me cede o lugar quando viajo de pé, ofegante, fazendo caretas, um Laurence Olivier da correria dos anos.

Tem mais. Tem, em qualquer época do ano, aqueles que cheiram mal. Ou por falta de banho (em geral é por isso) ou problemas de digestão que já deveria ter sido examinado por um médico, que aqui ainda funciona mais ou menos o serviço de medicina social gratuita.

E aqueles que falam alto demais. Seja uns com os outros, seja com o raio desses ubíquos celulares. Londres, esta ilha, já foi mais serena, mais bem comportada, já teve melhores modos. Enquanto continuarem alguns cavalões a se sentarem de pernas bem abertas, puxarem catarro e escarrar no chão, eu peço, eu insisto, eu clamo: multa neles, trinta dias a pão e água na mais infecta prisão que não estiver dando sopa.

Antes que eu me esqueça: sandálias havaianas, legítimas ou fajutas, só tendo o pé muito limpinho e bem tratado. Depois então a afronta ao bem-estar comum dos outros viajantes : botar em cima do banco em frente.

*Escritor e Jornalista da BBCBrasil, Ivan Lessa, que já foi da turma do Pasquim e da redação da revista Senhor, é autor dentre outras publicações, de O LUAR E A RAINHA (Companhia das Letras).
Fonte:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/09/070907_ivanlessa_tp.shtml

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