sexta-feira, março 06, 2009

O direito ao foda-se

Por Millôr Fernandes*


O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?

O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Não? Então foda-se!"."Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!"

O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover
nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.

É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.´Prá caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Prá caralho"?"Prá caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas Prá caralho, o Sol é quente Prá caralho, o universo é antigo Prá caralho, eu gosto de cerveja Prá caralho, entende?

No gênero do "Prá caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!" O "Não, não e não!" é tampouco nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!" o substituem.O "Nem fodendo!" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te
atormenta pedindo o carro prá ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Danielzinho, presta atençao, filho querido, NEM FODENDO!".

O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma
numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a
definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que
hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional.

Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PHD porra nenhuma!" ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e mais recentemente o "prepone" - presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou seu correlato "Pu-ta-que-o-pa-riu!!!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no
cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!".
Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!".

Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoe a camisa e
saia na rua, vento batendo na face, olhar firme, Cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".

Liberdade, igualdade, fraternidade e F O D A - S E!

Fonte: Millôr Fernandes* desenhista, humorista, dramaturgo, escritor e tradutor brasileiro, autor dentre outras obras de Uma Mulher em Três Atos (peça teatral).
Enviado por e-mail pela Advogada e amiga carioca ANA CAROLINA.

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