terça-feira, maio 12, 2009

Medicina & Saúde - Mulheres processam fabricante de dispositivo contra incontinência urinária

Produto, chamado ObTape, era introduzido por meio de uma cirurgia. Empresa diz que efeitos perigosos eram conhecidos por pacientes. Foi a promessa de uma solução rápida que atraiu Amber Suriani.

Amber Suriani tira foto com sua filha; Suriani está processando empresa que criou tratamento para incontinência urinária (Foto: Max Schulte/NYT)

Ela havia acabado de completar 40 anos e estava em ótima forma, mas sempre que começava a correr ou praticar caratê – ela estava caminhando para a faixa preta –, deixava vazar um pouco de urina.

O diagnóstico foi incontinência urinária por estresse. Seu cirurgião recomendou um procedimento simples para tampar o vazamento – inserindo uma rede feita de tiras de material parecido com uma rede, chamado de faixa vaginal, sob sua uretra. “Era para ser o tipo de coisa ‘entrar num dia e sair no outro’”, disse Suriani, 43, que vive num subúrbio de Syracuse, Nova York.

Assim parecia, pelo menos no começo. A cirurgia correu facilmente e o vazamento parou. Porém, vários meses depois, Suriani desenvolveu uma descarga vaginal persistente, dolorosa, e muitas vezes, sangrenta.

Ela estava convencida de que tinha câncer. Não ocorreu a ela que a faixa pudesse ser a causa até que um pedaço da fita, similar a uma rede, começou a passar pela parede vaginal.

Desde então, ela já se submeteu a cinco operações, cada uma para remover os pedaços da faixa, mas não a coisa toda; outra operação já está agendada. Ela ainda sofre de descarga crônica e diz que sua vida sexual com seu marido foi afetada. Ela atravessa o dia com a ajuda de Motrin e usa almofadas durante a noite.

TERRÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

“Me sinto como se nunca mais fosse voltar a ser a mesma”, disse Suriani, acrescentando: “Estou começando a achar que isso arruinou minha vida. Não só arruinou minha vida, como ‘Tudo vai melhorar’, mas arruinou como ‘Estou presa a isso para o resto de minha vida’. Tento me manter otimista, mas fica cada vez mais difícil”. O advogado de Suriani, Matthew Metz, de Seattle, disse que ela é uma entre dúzias de mulheres processando o fabricante da faixa vaginal, chamada ObTape.

A empresa, Mentor Corp., com base em Santa Barbara, na Califórnia, recentemente adquirida pela Johnson & Johnson, parou de vender a ObTape em 2006, mas diz não haver nada de errado com o produto, liberado para a venda pela FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de remédios e alimentos dos EUA).

John Q. Lewis, um advogado de Cleveland da firma Jones Day, representante da Mentor, disse que havia riscos em qualquer procedimento cirúrgico e que os médicos deveriam ter prevenido os pacientes. Ele apontou estudos europeus anteriores relatando baixas taxas de complicações com a ObTape.

“É muito infeliz quando alguém reporta uma complicação”, disse Lewis. “Dito isso, essas são complicações bastante conhecidas, que os pacientes são avisados a seu respeito, e são inerentes a um procedimento cirúrgico que já ajudou milhares e milhares de pessoas a levar uma vida melhor”.

Ele continuou: “Os benefícios gerais do procedimento e deste produto pesaram mais que os potenciais riscos”.

DECISÕES POUCO CONFIÁVEIS

As ações levantam novas questões sobre o processo utilizado pelo FDA para analisar novos dispositivos médicos. Ao mesmo tempo em que a agência “aprova” medicamentos, ela meramente “libera” dispositivos médicos, logo após os testes mínimos, caso eles sejam considerados “substancialmente equivalentes” a dispositivos já em uso.

O processo foi criticado pelos cientistas da agência. Em um recente relatório governamental de prestação de contas, concluiu-se que a maioria dos dispositivos no mercado nunca fora provada como segura ou eficaz.

No caso da ObTape, a cadeia de afirmações de similaridade pode ser rastreada até um produto mais antigo – causador de tantos males que foi retirado do mercado. Essa lembrança não impediu a FDA de liberar uma nova geração de faixas vaginais cuja única alegação de segurança era sua similaridade ao dispositivo defeituoso.

Uma cronologia reversa, reunida à ajuda dos advogados e pesquisadores dos queixosos no Public Citizen's Health Research Group, um grupo sem fins lucrativos buscando a defesa dos consumidores, ilustra as armadilhas do processo.

Em 2003, Mentor pediu à FDA a liberação da ObTape para o Mercado dos Estados Unidos, afirmando que, basicamente, não havia diferenças entre seu produto e duas outras faixas vaginais já em amplo uso – o Tension Free Vaginal Tape System, da Johnson & Johnson, e o Sparc Sling System, da American Medical Systems.

Aquelas faixas foram liberadas anteriormente com base em afirmações de que elas também eram muito parecidas com produtos anteriores – no caso da Johnson & Johnson, a faixa Protegen, fabricada pela Boston Scientific. Todavia, aquele produto havia sido recolhido em 1999, quatro anos antes do aparecimento da ObTape. Na época, a FDA considerou a faixa Protegen um produto “adulterado e mal-fabricado”.

Funcionários da FDA recusaram pedidos para uma entrevista, oferecendo somente respostas a perguntas por e-mail. Questionados se a agência liberaria um produto com base num predecessor recolhido do mercado, eles responderam, “Qualquer dispositivo legalmente comercializado pode servir como base para uma inscrição pré-mercado”.

Na verdade, havia diferenças significativas entre a ObTape e as faixas anteriores, e, uma vez que Mentor havia liberado a comercialização da ObTape baseada em sua similaridade com outros dispositivos, a empresa promoveu suas características exclusivas. Ela obteve uma patente e enfatizou a cirurgiões que seu novo design, fundamentado num produto europeu chamado Uratape, permitia uma abordagem cirúrgica capaz de reduzir o risco de perfuração da bexiga.

PROBLEMAS DO PRODUTO

Andrew L. Siegel, um urologista de Hackensack, Nova Jersey, que está servindo como testemunha para os queixosos no caso ObTape, foi um dos primeiros cirurgiões a começar a usar o dispositivo. “Eu estava encantando com o produto”, disse Siegel. “Era uma grande inovação”.

Mas a ObTape era diferente das faixas anteriores sob outro aspecto, que só ficou claro mais tarde e tinha relação com o tipo de material de que era produzido.

Muitos peritos dizem que a faixa era densa demais – não porosa o suficiente para permitir o crescimento dos tecidos e capilares através dela e se tornar totalmente incorporada ao corpo, no lugar de ser encapsulada e expelida.

Relatos de eventos adversos ligados à ObTape logo começaram a porejar na FDA – 266 no total, começando em 2004, muitos deles descrevendo problemas similares aos de Suriani.

Cirurgiões como Siegel começaram a publicar relatórios de casos em jornais médicos e a relatar experiências negativas com o aparelho. Muitos descreviam a “malcheirosa descarga” desenvolvida pelos pacientes após a cirurgia quando a fita começava a sair.

Em 2006, médicos do Centro Médico Virginia Mason, em Seattle, relataram, na publicação "The Journal of Urology", que haviam parado de utilizar a ObTape após observar uma taxa de 13,4% de extrusão vaginal.

Todavia, Lewis, o advogado da Mentor, disse que o material foi testado por engenheiros da empresa como parte de um extensivo processo pré-comercialização. Os 266 eventos adversos relatados representam uma pequena fração das 16.000 ObTapes implantadas nos Estados Unidos, ele acrescentou, e apontou a estudos que demonstravam as altas taxas de complicações para outras marcas.

A FDA alertou aos fornecedores de saúde, no ano passado, que havia recebido mais de 1.000 relatos de complicações envolvendo nove fabricantes de redes cirúrgicas para dispositivos de incontinência e prolapso de órgãos. “Os médicos devem informar pacientes sobre o potencial para sérias complicações e seus efeitos na qualidade de vida, incluindo dores durante a relação sexual, cicatrização e outras complicações”, dizia o aviso.

Lewis disse que dados clínicos da Europa confirmavam a segurança e eficácia da faixa ObTape, e sugeria que a falta de familiaridade dos cirurgiões americanos com a nova técnica cirúrgica seria a responsável por todos os problemas. Ele apontou que na Califórnia, um júri recentemente rejeitou uma alegação de negligência contra a Mentor feita por Lisa Ann Seeno, 51, que fora hospitalizada com um abscesso logo após a implantação do dispositivo. Ela exigiu um novo exame.

Outra requerente, Suzanne Crews, 69, do estado de Washington, disse estar processando a Mentor para disseminar a informação a respeito dos riscos de tentar reparar o que era, em retrospecto, um problema com o qual ela poderia conviver – mínimo vazamento quando ela tossia forte demais ou ria muito alto.Crews disse que já se submeteu a quatro operações para remover partes da fita.

“Não estou como eu deveria estar”, disse ela. “Eu apenas seria muito mais feliz se mais e mais pessoas soubessem sobre o problema, e não simplesmente se sentassem e dissessem, ‘O meu Deus, eu não sei o que está acontecendo’”.
Veja mais: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1117107-5603,00-MULHERES+PROCESSAM+FABRICANTE+DE+DISPOSITIVO+CONTRA+INCONTINENCIA+URINARIA.html

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