domingo, junho 28, 2009

Vida de Artista - Michael Jackson quase me fez dançar

Por Nelito Fernandes*

Michael Jackson quase me fez dançar. E não foi ao som de Thriller. Quando ele esteve no Brasil para gravar seu clipe no Morro Dona Marta, eu era um repórter iniciante no jornal O Globo. Fui escalado para a cobertura e havia boatos de que a produção do cantor negociara com traficantes para que o clipe pudesse ser gravado lá. Os traficantes estariam encarregados de “fazer a segurança” de Michael, permitir as gravações e não deixar que a imprensa ficasse no morro para não registrar imagens. A solução encontrada foi alugar um barraco e me infiltrar entre os moradores durante uma semana antes da gravação.

Evidentemente minhas habilidades como “infiltrado” não me garantiram o anonimato. Duas horas da manhã, véspera da gravação do clipe, batem na porta do barraco. Abro a porta. Traficantes, armados. Tudo gente boa. Tirando as AR 15, claro.

Cara, não leva a mal, mas tu é repórti. Vai ter que sair. Os cara não querem ninguém aqui disse um deles, educado, sem violência.
Se não fosse a AR 15, claro.

Eu e o fotógrafo descemos o morro escoltado pelos traficantes. Na descida, encontramos outros dois repórteres tão bons em infiltração quanto eu, que também estavam sendo expulso. Cumprimentos aos coleguinhas, um clima até de brincadeira, descemos.

No caminho demos de cara com uma boca de fumo com pelo menos dez bandidos armados. Um deles, que parecia ser o chefe, se aproximou e disse: “Vocês sabem que aqui é tranqüilidade para vocês trabalhar, mas hoje não dá. Eles não querem ninguém aqui, então vão ter que descer. Beleza?”. Era Marcinho VP, até então apenas traficante mediano no Rio. Como ele parecia estar querendo conversa, pedi uma entrevista para esclarecer a história da parceria entre traficantes e equipe de Michael. Ele concordou em dar a entrevista, sob a condição de anonimato.

Fomos levados para cima de uma laje por outro traficante. Meia hora depois, Marcinho VP apareceu. Pegou nossos nomes, disse que ia nos buscar caso o nome dele aparecesse na entrevista.

Quando você pede off a um jornalista, está correndo um risco médio. Se pede off a três, ao mesmo tempo, o risco é insano. Os três jornais decidiram publicar o nome do traficante. Isso porque, claro, se um deles publicasse e o outro, não, o que não publicou seria acusado de proteger bandido.

A entrevista na qual Marcinho VP disse que a polícia era corrupta, que se quisesse mataria um policial por dia e outras coisas alçou o bandido ao estrelato. Pelo menos no Rio, Marcinho tirou Michael das manchetes e ficou em seu lugar. Mas ele não gostou muito da notoriedade.

No dia seguinte, recebi uma ligação de um bandido: “Mermão, se eu sou tu eu tiro férias”.

Obedeci. Tirei férias. Para resumir a conversa que já está ficando longa, eu tive que sumir durante seis meses. Meu pai, que tem o mesmo nome que eu, teve que se mudar porque os bandidos descobriram onde ele morava. Fiz análise durante um ano e até hoje quando alguém me ameaça de algo reajo de forma mais violenta do que o normal.

Marcinho morreu assassinado na cadeia aos 33 anos. Michael morreu aos 50 anos. Fiquei eu, aqui, para contar essa história.

Fonte:Nelito Fernandes é repórter da sucursal Rio de ÉPOCA, escritor, autor teatral e roteirista da TV Globo. Neste blog tenta misturar humor e opinião comentando o noticiário, embora admita que na maioria das vezes é difícil manter o humor.
Veja mais: http://colunas.epoca.globo.com/nelito/2009/06/26/michael-jackson-quase-me-fez-dancar/

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