domingo, junho 03, 2007

A SUPERCONDUTIVIDADE

O fenômeno da supercondutividade foi descoberto por Heike Kamerlingh-Onnes (1853-1926), em 1911, em Leiden (Holanda). Estudando as propriedades elétricas dos metais a temperaturas muito baixas, próximas do zero absoluto (273 graus celsius negativos), esse físico holandês descobriu que a resistência elétrica se tornava nula no mercúrio (Hg) resfriado a 269,2 graus celsius negativos. Ele entendeu que o metal passava, abaixo de uma certa temperatura (temperatura crítica ou simplesmente Tc), para um novo estado, que chamou estado supercondutor, com base no surgimento de propriedades elétricas extraordinárias. Onnes, que recebeu o prêmio Nobel em 1913, tinha consciência da importância de sua descoberta para a ciência, bem como de seu potencial comercial. Um condutor elétrico sem resistência pode conduzir sem perdas corrente elétrica a grandes distâncias. Onnes, por exemplo, manteve uma corrente circulando em um fio de chumbo (Pb), resfriado a 4 kelvin (269 graus celsius negativos) durante um ano! Batizou essa corrente ‘persistente’, pois ela circulava sem a aplicação de uma voltagem (ou, tecnicamente, diferença de potencial).

LEVITAÇÃO MAGNÉTICA.
A propriedade que distingue um supercondutor (SC) de um condutor perfeito é o diamagnetismo, que impede que as linhas de força de um campo magnético penetrem no material. Essa propriedade, conhecida como efeito Meissner – em homenagem ao físico alemão Walther Meissner (1882-1974) –, dá origem a Supercondutores que apresentam um completo efeito. Esses supercondutores são, não apenas condutores perfeitos, mas também, diamagnéticos perfeitos. A demonstração clássica do efeito Meissner consiste em fazer um ímã permanente flutuar sobre a superfície de um supercondutor. As linhas do campo magnético são impedidas de penetrarem no supercondutor e tomam uma forma semelhante a que teriam se houvesse outro ímã idêntico dentro do material supercondutor (ímã "imagem"). Dessa forma, o ímã sofre uma repulsão que compensa seu peso e "levita" sobre o supercondutor.

O EFEITO MEISSNER
Um supercondutor caracteriza-se por dois efeitos:
a) O material não apresenta nenhuma resistência elétrica (R = 0).
b) O campo magnético dentro do material é zero (B = 0).

ALTAS TEMPERATURAS
Em 1986, no Laboratório de Pesquisa da IBM, em Rüschlikon (Suíça), os pesquisadores Alex Müller e Georg Bednorz descobriram um composto cerâmico cuja temperatura de transição supercondutora jamais havia sido observada: 30 kelvin (243 graus celsius negativos). Assim, eles inauguravam a era dos supercondutores HTc (sigla, em inglês, para supercondutividade a altas temperaturas). O composto, tipo perovskita, formado pelos elementos químicos lantânio, bário, cobre e oxigênio – (La2-xBax)CuO4 –, serviu para que ambos ganhassem o prêmio Nobel de 1987. Os aspectos importantes são o aumento da Tc, bem como o fato de se tratar de um óxido. Ainda em 1987, com a substituição do lantânio pelo ítrio (Y), o valor de Tc foi para 92 kelvin (181 graus celsius abaixo de zero). Pela primeira vez na história da supercondutividade, um grupo de pesquisas conseguia um material com Tc acima do nitrogênio líquido (77 kelvin), abrindo perspectivas enormes para a aplicação desses materiais, pois a refrigeração por nitrogênio líquido é relativamente barata em comparação com o hélio líquido, elemento caro e pouco abundante. Mais tarde, foram descobertos outros materiais cerâmicos cuja temperatura era superior aos 92 kelvin. Hoje, o recorde, a pressão ambiente, é de 135 kelvin (138 graus celsius negativos) para um composto formado por mercúrio, tálio, bário, cálcio, cobre e oxigênio.
O estado supercondutor pode ser destruído de três modos:
a) elevando a temperatura do material acima da temperatura crítica (Tc);
b) aplicando uma corrente elétrica maior que a corrente crítica (Ic);
c) sujeitando o material a um campo magnético acima do valor crítico (Bc).
Esses fatores têm um papel importante quando se trata de construir dispositivos para aplicações.

FORMANDO PARES
Um SC tem a capacidade de conduzir corrente elétrica sem dissipação de energia, o que não acontece com um condutor comum. Em metais como cobre e alumínio, a corrente flui quando elétrons migram de um íon para outro, colidindo com impurezas ou imperfeições na estrutura (ou rede cristalina) desses materiais. Nesse caso, os choques fazem com que os elétrons sejam espalhados em todas as direções, perdendo com isso energia na forma de calor. Em comparação com um condutor convencional, os movimentos dos elétrons em um SC é muito diferente. Vibrações atômicas são responsáveis por unificar a corrente total, forçando os elétrons a se agruparem em pares (os chamados pares de Cooper). Assim, elétrons, que normalmente se repelem, passam a “sentir” uma atração profunda em um SC. Em pares, eles passam então a se comportar como se fôssem uma partícula única. Nesse estado, ao percorrer a rede cristalina do condutor, eles são capazes de superar todos os obstáculos que causam a resistência.

MECANISMO CONTROVERSO
A busca de mecanismos responsáveis pela supercondutividade a altas temperaturas ainda permanece um dos problemas mais relevantes na física da matéria condensada. Estudos do efeito de altas pressões sobre a temperatura crítica de cerâmicas supercondutoras permitem definir as substituições de um elemento químico por outro que possam aumentar ainda mais os valores dessa temperatura e proporcionar um melhor entendimento dos aspectos básicos dos materiais de HTc. O mecanismo por trás da formação dos pares de Cooper é ainda controverso para explicar a supercondutividade nos cupratos (compostos de óxido de cobre).

NOVAS IDÉIAS
Os novos supercondutores a alta temperatura, como o La1.85Ba0.15CuO4, violam os limites previstos pela teoria BCS, batizada assim em homenagem aos seus idealizadores, os físicos norte-americanos John Bardeen (1908-1991), Leon Cooper e John Schrieffer, que ganharam o Nobel de 1972 por esse trabalho. Para um material passar de condutor normal a supercondutor é necessário convencer seus elétrons a formarem "pares", apesar da repulsão elétrica mútua que há entre eles. Foi mostrado que, se esses pares conseguirem se formar, o conjunto consegue se mover sem nenhum impedimento através do material. Temos então um supercondutor. A teoria mostra como é possível obter esse acoplamento de elétrons aproveitando as vibrações internas do sólido, chamadas de "fonons". Essas vibrações, ou fonons, se estiverem organizadas, criam uma espécie de depressão que mantém os elétrons juntos, mais ou menos como a onda criada por um barco puxa um banhista que esteja por perto. Essa formação de pares assistidos por fonons é um efeito tipicamente quântico, sem analogia clássica, e só é possível em temperaturas muito baixas. Quando a temperatura sobe a agitação dos átomos fica forte e desorganiza os fonons, quebrando os pares de elétrons e destruindo a supercondutividade. A teoria BCS, do jeito que foi explicitada originalmente, não se aplica bem aos novos supercondutores a altas temperaturas. Tudo indica que os spins dos elétrons e dos pares, passa a ter um papel fundamental na supercondutividade desses materiais. Teóricos de grande renome estão queimando as pestanas na tentativa de achar uma explicação satisfatória para os supercondutores de alto Tc. Um deles é o próprio Schrieffer que vem tentando ajustar a velha teoria BCS ao comportamento dos novos materiais. Já outro Nobelista, Phil Anderson, vem desenvolvendo um modelo completamente novo e muito estranho. Nesse modelo, um elétron se parte em dois: um "spinon" que leva o spin e um "holon" que leva a carga.

FITAS E FIOS
Em um mundo preocupado com formas limpas e econômicas de energia, bem como com seu armazenamento e sua transmissão através de longas distâncias, o estudo da supercondutividade adquire cada vez mais relevância. Por outro lado, a descoberta de novos materiais, a caracterização e o aperfeiçoamento daqueles já conhecidos, juntamente com as formas de utilização e questões teóricas, são um desafio e estímulo para o estabelecimento de novas parcerias entre ciência básica, desenvolvimento e indústria. Temperaturas críticas supercondutoras próximas àquela do nitrogênio líquido também criaram uma nova perspectiva para aplicações tecnológicas que podem ocorrer nas áreas de energia elétrica e da construção de ímãs para campos magnéticos intensos, bem como de eletromotores e sensores. Fitas e fios supercondutores feitos de supercondutores HTc tornaram-se tema de grande interesse em todo o mundo devido às suas altas correntes críticas, pois essa característica permite visualizar importantes aplicações tecnológicas que talvez tragam ao nosso dia-a-dia progressos tão importantes quanto os causados pela tecnologia baseada nos semicondutores.

O FUTURO ESTÁ CHEGANDO
Já existem aplicações importantes de cerâmicas supercondutoras na geração, no armazenamento e na transmissão eficiente de energia. Elas também têm sido usadas na detecção de pequenos sinais eletromagnéticos e no desenvolvimento de tecnologia mais rápida e compacta para atelefonia celular. Já sendo comercializados, os chamados SQUID (Superconducting QuantumInterference Device), sensores de campo magnético com muito baixa intensidade que podem funcionar tanto refrigerados por nitrogênio líquido quanto hélio líquido (4,2 kelvin), empregam cerâmicas supercondutoras. Cabos flexíveis supercondutores também já são realidade. Por exemplo, a empresa American Superconductor está usando supercondutores para fazer cabos multifilamentares de vários quilômetros de extensão. Para breve, espera-se a aplicação de supercondutores na construção de TRENS velozes que usariam o princípio da levitação magnética, bem como de computadores super-rápidos. Vislumbra-se também o uso desses materiais nas áreas de comunicação por microondas (filtros e antenas); telecomunicações (estações de telefonia celular); tecnologia militar (filtro para sinais de radares); energia (emprego de cabos supercondutores que diminuiriam as perdas em torno de 15%); pesquisa espacial (dispositivos à base de materiais HTc); computação (máquinas com interface para semicondutores e supercondutores); medicina (SQUIDs milimétricos para a detecção de sinais magnéticos do coração e do cérebro).

ENVIADA AO ESPAÇO
Desde então, esse fenômeno tem fascinado os cientistas, que conseguiram enormes progressos ao descobrir novos materiais supercondutores, aprofundando a compreensão dos mecanismos físicos responsáveis por esse novo estado, bem como concebendo aplicações tecnológicas dessa extraordinária propriedade. Em janeiro de 1987, a área da supercondutividade passou por uma verdadeira revolução: a descoberta da supercondutividade acima da temperatura de liquefação do nitrogênio (77 kelvin, ou 196 graus celsius negativos), por Paul Chu e colaboradores, o que abriu enormes perspectivas para a aplicação prática desse fenômeno. O impacto dessa descoberta pode ser estimado pelo fato de uma pastilha de YBa2Cu3O7 ter sido enviada ao espaço em uma cápsula como uma das 100 maiores descobertas do último milênio. Formado pelos elementos químicos ítrio (Y), bário (Ba), cobre (Cu) e oxigênio (O), esse material é hoje o mais estudado entre os novos supercondutores a alta temperatura.

Nenhum comentário: