quarta-feira, maio 27, 2009

Religião & Literatura - Cursos sobre Umbanda: válidos ou não?

Por Hédio Silva Júnior*

Organização das Nações Unidas – ONU estabelece que todas as religiões têm o direito de criar escolas confessionais, institutos teológicos e de ensinar uma crença ou religião em locais apropriados. Trata-se de direito garantido também pela Constituição brasileira e leis ordinárias.

Isto significa que uma organização religiosa, isto é, um templo com estatuto e ata registrada pode criar e manter creche, pré-escola, instituição de educação básica ou uma faculdade. Faculdade em sentido amplo, podendo abranger cursos de direito, medicina, matemática ou teologia.

A exigência estabelecida pelo Ministério da Educação - MEC, que deve ser obedecida por toda e qual­quer fa­culdade, tem a ver com a qualificação dos professores: exige-se certo número de dou­tores, mestres e es­pecialistas para a ins­talação de determinado curso de nível superior.

Doutores aqui tem sen­tido muito específico: são aquelas pessoas que concluíram a faculdade e continuaram estudando, fazendo cursos de pós-gra­duação, especialização, mestrado e obten­do um dos graus mais elevados que é justamente o doutorado.

Do ponto de vista da formação para o sacerdócio, a liberdade de crença quer dizer que todo indivíduo tem ampla liber­dade para escolher o tipo de curso que lhe seja mais conveniente. Tenha ele duração de quatro anos, quatro meses ou quatro horas; seja ministrado por uma faculdade ou por um Sacerdote/Sacer­dotisa reconhecido pela comunidade.

Não há dúvida de que nossos Sacerdotes e Sacerdotisas devem ter com­promisso permanente com sua qualificação profissional e preparo para o sacerdócio. Devemos sim incentivar nossa comunidade a investir em sua formação profissional, estimulando-a inclusive a ingressar num curso de nível superior.

Mas é bom lembrar que na Umbanda a maioria dos Dirigentes não sobrevive da atividade religiosa, sendo muitos os que têm diploma de nível superior em dife­rentes áreas. Conheço pessoalmente jornalistas, professores, funcionários pú­blicos, advogados, sociólogos, psicólogos, Delegados de Polícia que não estudaram teologia e são excelentes sacerdotes.

Portanto, quando falamos em cursos, formação, pre­paração, treinamento, preci­samos separar duas situações distintas: a formação profissional e a formação para o sa­cerdócio.

A formação profissional obviamente é livre e insisto em afirmar que devemos encorajar o Povo de Santo a ir para a faculdade, freqüentar um curso de nível superior e disputar o mer­cado de trabalho em melhores condições. A educação ainda é o principal instrumento de inclusão social que os pobres, a co­munidade negra e o Povo de Santo pode e deve utilizar inclusive para enfrentar a intolerância religiosa.

Já a formação para o sacerdócio deve ser de livre escolha de cada pessoa e a Umbanda possui Sacerdotes e Sacerdotisas que há décadas se dedicam a escrever, publicar artigos, livros, ministrar cursos e preparar novos sacerdotes.

Lembro-me bem de uma das ex­periências mais marcantes que vivi nos últimos anos: em 2008 fui à solenidade de diplomação do Curso de Babalaô (sacerdócio), Coordenado pelo Pai Ronaldo Linares, um dos mais importantes e respeitados ícones da Umbanda e das Religiões Afro-brasileiras como um todo.

Milhares de pessoas prestigiaram o evento, como acontece todo ano, e o brilho nos olhos dos formandos era o mesmo que vejo nos olhos dos meus alunos quando concluem a Faculdade de Direito.

Com ou sem o selo do MEC, o Curso de Babalaô é reconhecido, credenciado, respeitado e aclamado pelo Povo de Santo.

Aliás, em se tratando de ensino de religião, o ideal mesmo é que o Estado não se intrometa, cabendo à sociedade e aos fiéis selecionarem e escolherem o curso tendo em conta unicamente a seriedade, competência e reconhecimento dos responsáveis.

São muito bem-vindas as faculdades de teologia, desde que não desprezemos o acúmulo de conhecimento, a sabedoria, o desprendimento e a coragem daqueles desbravadores que, como o Pai Ronaldo Linares, abriram cursos quando muita gente sequer tinha coragem de assumir publicamente a religião.

Religião não pode ser resumida a diploma: religião é fé, dedicação, abnegação, conhecimento, caridade, humanismo, respeito ao próximo, respeito à diversidade e coragem para enfrentar a intolerância religiosa.

Religião não é técnica: é sentimento, vivência. Façamos de cada curso, cada cerimônia, cada templo uma escola que ensine a sociedade brasileira a conhecer a dignidade, a história de resistência e a grandiosidade da Umbanda e do Can­domblé.

Fonte: Transcrito do Jornal de Umbanda Sagrada - Maio de 2009 - Dr. Hédio Silva Jr*., Advogado, Mestre em Direito Processual Penal e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, ex-Secretário de Justiça do Estado de São Paulo (governo Alckmin). Diretor Executivo do CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. Matéria enviada por e-mail pelo amigo ALEXANDRE CUMINO

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